domingo, 18 de maio de 2008

Saudades do vino (rabisco)

Hoje imaginei minha morte. Não era nada glorioso ou heróico, porém, seria algo inimaginável, tipo solitário. Não era velho nem moço, tudo era verde e sentia algo silencioso em relação ao ambiente:

– Em um campo, muito verde, cheiroso, totalmente diferente da cidade que tanto amo morar e me isolar (talvez a única semelhança seria o gosto cinza da solidão), cheiro de terra molhada; essas coisas.

No campo não tinha tanta vontade de correr, de gritar ou de ser livre, percebi que era tudo uma utopia, banalizei aquela imagem cinematográfica de liberdade com uma fotografia em movimento e minha cara estampando felicidade e satisfação. A paisagem depois da quinta semana já se tornou mórbida e ausente, o horizonte sem fim me incomodava, o rio não me soava mais como música ambiente que poderia me levar a um outro estado de espírito, até onde minha percepção religiosa me deixaria explicar classificaria como algo perto de um nirvana. Enfim, perdi a paciência .

A comodidade de um café durante a madrugada, sentir a minha mão aquecer junto com a xícara, penetrar meu olhar nos pensamentos dela e enfim tomar o primeiro gole e me deliciar fingindo que estou admirando um café amargo – algo simples como um sorriso direcionado aos olhos de Maria.

– Me isolei nesse meio de mato e animais que ressonam estranho pensando que era tudo que eu precisa depois que perdi Maria, era o lugar que sem ela seria como o paraíso, como nas primeiras semanas, depois me encontrei a um abismo infinito. Não tive medo de rever as fotos e os poemas, talvez meu maior erro, meu humor oscilava e depois de cinco meses tudo começou a ficar insuportável. Parecia que o progresso, que já estava a fuga de, estava se aproximando e quase a minha porta. Sentia ser percebido por estranhos o tempo todo, igual quando vagava pelas ruas. Não queria voltar para algo que já estava fugindo, preferia morrer.

A conversa sempre era muito boa, mesmo quando Maria fingia entender ou concordar para não me chatear, como se fosse. O seu olhar ao sorrir sempre nos convidava a um vinho, passávamos no posto vintequatrohoras e comprava um Chiant Rufino, nosso vinho favorito. Vínhamos ao meu apartamento, que era mais frio que o de costume, e ficávamos ate a última taça – nunca ficávamos juntos até a manhã da respectiva madrugada, sempre existiu a hora de partir.

– A partir do sétimo mês já não tinha animo para ir a cidade comprar mantimentos, fiquei algumas semanas caçando frutas, pois a mata era farta o ano inteiro e nunca tive coragem de matar um animal se quer. Depois de três semanas já tinha perdido consideráveis dez quilos, agonizava alguns vários instantes durante o dia, a dor era semelhante a pedras no rim, sabia que estava doente e que era algo muito além do rim, a morte era certa e não queria sentir dor, tão pouco por causa da solidão. Então pulei, tive meu último pensamento...

Lembro que o último vinho foi na casa de Maria, acho que nunca me senti tão bem, vimos algum filme sobre um lunático interplanetário e tivemos nossa última discussão, talvez, mais importante. Pela primeira vez dormimos juntos, ou pelo menos tentamos, não conseguíamos ficar um só minuto em silêncio, sempre tinha algo que um queria que o outro conhecesse, parecia que éramos transparentes. Na mesma manhã foi o dia em que arrumei suas malas – ...

– ... flanou um vão dentro de mim.



Joaquim Prado.

2 comentários:

João Bittencourt disse...

Apesar da conotação um tanto quanto mórbida, adorei o texto. Rapaz, já pensou em registrar esses devaneios em um livro?

Abração
J.B

Anônimo disse...

What a great moment of reading blogs.